17.3.04

1984 - A Revolução Celular

Esse ano representa muito para muitos. Independente de George Orwell, das Olimpíadas de Los Angeles ou do lançamento do Macintosh, 1984 mudou minha vida para sempre.

Eu estava no pré-primário. Cartilha Pipoca. Tia Esméia. Corria o mês de abril. Era a vez da letra L e da tabuada do 7. Tenho deficiência nesses dois itens básicos até hoje por ter faltado uma semana às aulas do Externato "Ofélia Fonseca".

Tudo começou quando meia-dúzia de anticorpos se empolgaram com um gene que não tinha mais nada o que fazer e ficou dando idéia de ir lá no pâncreas zoar com as células Beta. Despretensiosamente chegando às ilhotas de Langerhans, deu-se uma luta sangrenta que dizimou as coitadas células que produziam insulina.

Resultado: os anticorpos queriam tomar uma para comemorar, mas não foram muito bem recebidos em nenhum boteco do corpo humano. Linchados sumariamente pela grande maioria da população celular, de todas as classes e raças, indignada por causa da nação de moléculas de glicose que passou a vagar pela corrente sangüíneas como uma legião de sem-teto.

Sem insulina, todas as portas se fechavam para as glicoses. Desempregadas, acabavam recorrendo aos órgãos de atendimento público do corpo humano, conturbando o fluxo de trabalho principalmente nos rins e periféricos. Para dar vazão à burocracia nefrática, estava sendo requisitada mais e mais água potável que diluísse a concentração das massas calóricas.

Uma falha de comunicação interna fez os neurônios entenderem a necessidade de água como uma simples sede. Para acabar com ela, litros e litros de suco de laranja inundavam o organismo, trazendo ainda mais glicose para a corrente sangüínea. Onde deveria haver 100 glicoses, havia 2.480. Pronto-socorro.

Depois de uma semana no hospital, a vida se tornou um pouco mais amarga para um moleque que nem gostava tanto de comer doces.

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