25.11.04

SURREAL

A gente passa a vida inteira correndo atrás de mulher. Quando finalmente alguma vem até você por livre e espontânea vontade, ou é dragão ou você já está casado. Materialmente (de aliança e tudo) ou mentalmente (aí é pior).

Num desses feriados que inundaram 2004, depois de lavar o carro, eu peguei minha Preta e fomos encher o tanque cultural vendo uma exposição de arte dadá e surrealista no Instituto Tomie Ohtake, perto da Fnac.

Apesar da má impressão causada pela carambola roxa gigante e pelo reflexo dos espelhos rosa na vizinhança, o lugar é muito bacana. E a exposição era mais ducaralho ainda. O acervo era de um figura que fazia parte da tchurminha dos artistas na Paris da época em que estavam brotando esses movimentos contestadores da arte tradicional.

No público dessas exposições, cada um tem seu ritmo. A Michelle costuma ler os comentários de cada obra muito mais rápido que eu. E se impacienta também muito mais rápido que eu. Lá pelas tantas, ela já tinha visto tudo e eu ainda estava analisando umas peças, já do final. Então eu ouço um comentário feminino atrás de mim:
- Surrèal, né?

Minhas orelhas cresceram para captar mais daquela "conversa" que eu acabava de perceber. Mas... nada. Com o canto dos olhos, fui investigar sem mexer a cabeça de frente para o quadro. Um único par de sapatilhas estava ao meu redor. Nem deu tempo de ver o resto. Uma mão longuilínea se estende apontando algo no quadro:
- Esse céu é surrèal, né?

Achei esquisito, mas não dava para fingir que não era comigo. Me virei para conferir quem estava puxando papo e me surpreendi com uma morena, 20 anos, traços finos, de saia, blusinha... Após examinar detalhadamente aquela obra de arte popular, lembrei que ela estava esperando uma resposta minha.
- É...

Espantosa a minha criatividade, não? Toque de pimenta: aquele sotaque (Bahia, Minas, Goiás?) que ainda vinha acompanhado de um leve bafinho de pinga. Ela tornaria a situação ainda mais surreal.
- Esse céu - apontando para a tela - a gente não vê aqui em São Paulo, sabe, com todo esse espectro de cores. Lá em Minas, o céu é diferente... Você já foi para Minas?

Pronto, agora eu estava feito. Aquele sorriso praticamente me convidava para conhecer a casa dela, em Minas, ou mesmo seu apê, aqui em São Paulo. Só que ela parecia ignorar que eu já estivesse acompanhado. Ok, eu também me esqueci disso por alguns momentos.

Agora seria inevitável, em poucos instantes teríamos a reação de ciúmes da Michelle ao perceber o incipiente "diálogo" em que eu me metia. Qualquer que fosse meu comportamento, eu teria o que ouvir pelo resto da tarde. Decidi prosseguir educadamente a conversa sem qualquer apelo sedutor, como se eu fosse uma senhora de 60 anos.
- Já... Mas faz tempo.

Antes que a mineirinha engatasse qualquer convite, toca meu celular:
- QUEM É ESSA VAGABUNDA?

Quando eu me virei, a mineirinha já tinha sumido, tipo ninja, pressentindo o perigo. A Michelle estava na porta do museu, com as mãos na cintura, batendo o pezinho e foi embora sem me esperar chegar. O pior de tudo ainda é terminar o episódio correndo atrás de mulher.


12.11.04

LUIZA TOMÉ
Sem roupa, sem novela e sem proporção

Alguém viu o outdoor da Playboy deste mês? Fiquei impressionado com o tamanho da cabeça da criança. Deus do céu, alguma coisa foi muito mal feita ali: a montagem de duas fotos ou o código genético da atriz.

11.11.04

VOVÓ AMPGALAXY

Dona Reine Magda tem 87 anos, 5 netos e uma prótese no fêmur. Antes da operação, fazia de tudo, ia a qualquer lugar, e de busão. Quem mandou jogar baralho na casa de uma amiga e não reparar "no degrau que separava a saleta de jogos da sala de jantar"?

Agora, o corpo não mais consegue acompanhar suas vontades. Para quem se orgulha de ter "sangue índio, forte", é difícil aceitar isso. Afinal, sua última temporada em um hospital fôra há mais de 50 anos, parindo uma pessoa. Com a fisioterapia, aos poucos, ela reaprendeu a andar. Eu ofereci apoio. Para que seu corpo não caísse, nem seu ânimo de viver.

O primeira ação do meu Plano de Incentivo à Reinserção da Dona Magda na Vida Social seria um evento gastronômico externo, tipo um jantar. Em vez de levá-la a uma cantina ou a seu restaurante predileto, pensei em fazê-la conhecer um ambiente novo, conceitualmente seria como apresentá-la ao século 21.

Naquela quarta-feira à noite, fomos ao ampgalaxy, o "modernoso" espaço da marca A Mulher do Padre que junta loja de roupas, bar/restaurante e pista de dança (cada um em seu devido andar). O primeiro problema foi explicar pra minha avó o nome do lugar. Para não engasgar soletrando siglas, saí pela direita dizendo que o restaurante chamava A Mulher do Padre. Ela adorou, já pensando na reação das amigas no próximo chá com biscoitos.

Chegando lá, a iluminação digamos que não era das mais ofuscantes. Inquieta por não conseguir ler o cardápio, minha avó se virou procurando um garçom e gritou em direção ao balcão:
- Ô, menino, acende essa luz, que isso está parecendo uma... boate.

1) O menino era uma menina, daquelas que raspam careca e se vestem como recrutas. 2) Nós estávamos em uma... boate. "O menino" tentou explicar isso para minha avó. Dona Magda me interrogava com o olhar, que eu fingi não encontrar, assobiando e observando o teto.

Pedidos os pratos, ela comeu direitinho, tomamos nosso cafezinho, "o menino" trouxe a conta e a gente já se preparava para ir embora. Era quase meia-noite, hora em que já se formava uma fila para entrar na porção balada/discoteca do espaço. Enquanto eu procurava o papelzinho do estacionamento, minha avó tricotava com a hostess, que já havia a convidado para voltar lá, só para dançar. Achei a poulra do papel e, quando o segurança abriu a porta, os descolados ao longo da fila começaram a aplaudir a vovó baladeira.

No caminho da volta, eu perguntei se ela tinha gostado do programa. Ela virou pra mim, arregalando os olhos:
- Milhares.